SENTENÇA FINAL... COMÉRCIO 700 SUL...

Circunscrição : 1 - BRASILIA

Processo : 2008.01.1.032756-6
Vara : 2101 - VARA DE MEIO AMBIENTE DESENV. URBANO E FUNDIARIO DO DF


Processo : 2008.01.1.032756-6
Ação : CIVIL PUBLICA
Autor : CONSELHO COMUNITARIO DA ASA SUL
Réu : DISTRITO FEDERAL e outros


Sentença


O CONSELHO COMUNITÁRIO DA ASA SUL, associação civil sem fins lucrativos, dizendo-se representante processual dos cidadãos residentes na Asa Sul - Brasília/DF, fez distribuir ao d. Juízo da 7ª Vara da Fazenda Pública/DF em 27/03/2008 AÇÃO CÍVIL PÚBLICA visando a preservação do patrimônio histórico, representado pela integridade do projeto urbanístico de Brasília, cumulado com antecipação dos efeitos da tutela, em desfavor do DISTRITO FEDERAL e de diversos estabelecimentos comerciais nas quadras residenciais das 703, 704, 705, 706, 707, 711 e 713 da SHIGS, relacionados conforme fls. 03/07. Posteriormente, foi julgada extinta a relação processual em relação aos estabelecimentos comerciais indicados, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil (fls.153/54).


Com a inicial, afirmou-se que moradores das quadras 700 da Asa Sul utilizam o imóvel para atividades de comércio e indústria, incompatíveis por destinação para o local. Em geral, tais moradores sequer têm alvará de funcionamento, outros os "famigerados alvarás precários, e que alguns deles ali permanecem tutelados por liminares judiciais" (fl.09).


Trata-se de estabelecimentos onde "funcionam, clandestinamente, como pousadas, spas, saunas e até como motéis, sem as mínimas condições de saúde, higiene e segurança, colocando em risco seus freqüentadores, perturbando a tranqüilidade e o sono dos moradores, ameaçados em sua integridade física e moral..." (fl.09).


Além disso, os estabelecimentos comerciais que se mantêm na ilegalidade são beneficiados com a alíquota do IPTU em 0,3%, quando os imóveis com destinação comercial tem o referido imposto calculado em 1% sobre o valor venal do imóvel.


A permanência destes estabelecimentos afronta à Lei Orgânica do Distrito Federal (arts. 3º, 246/47), os arts. 4º e 6º do Decreto nº 10.829/87, o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal, o art. 39 da Lei 10.257/01, o art. 1º da Lei Distrital nº 1.171/96 e o Termo de Recomendação nº 014/2001 da Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística - PROURB do Ministério Público do Distrito Federal. Há ainda abuso da função social da propriedade (§ 1º do art.1.228 do Código Civil) e a prática de ato ilícito (art. 187 do C.C.).


Mesmo assim, "há anos a ilegalidade perdura, sem qualquer atuação adequada pelos órgãos da Administração, que com isso torna-se conivente para com as infrações cometidas pelos demais réus" (fl.20).


A omissão do Distrito Federal viola os princípios impostos à Administração Pública, em especial, o da legalidade, eficiência e impessoalidade (art. 37 da Constituição Federal).


Postulou ao final a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, para impor ao Distrito Federal que realize os atos de fiscalização em razão do seu poder de polícia, com o fim de evitar atividades exercidas ilegalmente pelos réus.


Com o mérito, postulou a condenação do Distrito Federal: 1) em obrigação de não emitir alvarás de funcionamento de atividades incompatíveis com a destinação residencial unifamiliar nas quadras da Asa Sul do Plano Piloto; 2) em obrigação de fiscalizar e interditar os estabelecimentos comerciais e não-residenciais que funcionam ou venham a funcionar irregularmente nas edificações das quadras 700 da Asa Sul.


Com relação aos demais réus, postulou a condenação em obrigação de cessar as atividades ilegais e de não fazer, consistente na abstenção de reinstalação de tais atividades nas quadras 700 da Asa Sul, sob pena de cominação de multa, no caso de descumprimento.


Instruíram a inicial com os documentos de fls. 23/134.


Manifestação do Ministério Público às fls. 138/152.


Citação do Distrito Federal à fl.168. Termo de audiência às fls.170/171. Manifestação preliminar do Distrito Federal às fls. 172/393.


Decisão interlocutória, às fls. 394/408, na qual se concedeu, em parte, a tutela em caráter liminar. Agravo de Instrumento contra tal decisão às fls. 410/414. Desistência do recurso à fl.437.


Notificação do Distrito Federal para cumprir a decisão liminar (fls. 434/35). Notificação dos ocupantes da área para encerrar suas atividades empresariais irregulares, às fls.442/43 e 453/58.


Pedido indeferido de intervenção de terceiro na qualidade de assistente, à fl. 467.


Contestação do Distrito Federal às fls. 469/491. Afirma que "não são concedidos alvarás de funcionamento para estabelecimentos comerciais, institucionais e de outras naturezas que firam o zoneamento nas quadras 700 da Asa Sul - nem mesmo alvarás precários são deferidos..." (fl.472). Aduz que não está se omitindo na fiscalização, porém a erradicação das irregularidades depende, além da efetiva fiscalização, de planejamento maior, no qual será oportunizada a participação da sociedade.


A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente elaborou termo de referência, visando contratar o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, que objetiva, entre outros, a resolução de conflitos existentes entre a realidade da cidade e a preservação do patrimônio protegido. Acerca da revitalização da W3 Sul, o Distrito Federal noticia a existência do projeto de implantação do Sistema de Metrô Leve de Brasília, com o Veículo Leve sobre Trilhos - VLT. Afirma que foram empreendidas interdições das atividades comerciais nas áreas indevidas, concretizadas com o apoio judicial. Ressalta que a atuação do Poder Público, "além de pontual, não resolverá a situação urbana existente" (fl.476), depende de planejamento urbano, o qual está sendo desenvolvido pelo Distrito Federal.


Réplica às fls. 479/491. A autora reconhece que "o Distrito Federal não concedia os alvarás para o funcionamento desconforme dos imóveis residenciais" (fl. 480). Sobre a fiscalização, disse que "sempre foi francamente frouxa, muito aquém do que exige a legislação" (fl.480), i. é, uma fiscalização ineficaz, reconhecida pelo próprio réu em contestação, o que se traduz em omissão do Poder Público. Enfatiza o descaso com o tombamento do complexo urbanístico de Brasília (Lei Distrital nº 1.171/96), observado na ineficácia da fiscalização pelo réu, a ponto de muitos estabelecimentos interditados estarem funcionando.


Conforme fl. 494, dada oportunidade às partes para especificação de provas, o autor requereu prova testemunhal e inspeção judicial na área objeto do pedido (fls. 495/504). O Distrito Federal veio dizer que não possui outras provas a produzir (fl. 519).


Fls. 587/616, notícia de interposição de Agravo de Instrumento por Windsor Brandão de Castro (Sauna Très Chic), comerciante estabelecido na SHIS, Bloco H, Casa 05 (fl. 587) - dizendo-se 3º prejudicado, contra a decisão de fl. 438.


Decisão de fl. 620, na qual foi homologado pedido de desistência do Agravo de Instrumento nº 2008002004963-3, interposto por Conselho Comunitário da Asa Sul, contra a decisão que excluiu os demais réus da relação processual.


Associação dos Comerciantes da W3 Sul informou a interposição de Agravo de Instrumento nº 2008002006350-5 contra a decisão que deferiu, em parte, a liminar (fls. 636/637 e 640/653). Recurso Especial (fls.654/663) contra a decisão proferida no agravo regimental nº 2008002006350-5 (fls. 664/669) manejado contra o acórdão proferido no referido Agravo de Instrumento (fls. 671/673).


Informações prestadas por este juízo em razão dos Mandados de Segurança nºs 2008.00.2.006146-7 (fls.623/635) e 2009.00.2.013670-2 (fls.698/721).


De acordo com a r. decisão de fl. 677, o d. Juízo da 7ª Vara da Fazenda Pública declinou de sua competência em favor do Juízo da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal.


Manifestação da autora às fls. 724/782.


Conforme fl. 784 foi determinada a expedição de mandado de verificação, quanto à situação da utilização dos imóveis referidos, bem ainda quanto ao cumprimento ou descumprimento da decisão liminar.


O Distrito Federal prestou informações às fls.790/848
Mandado de verificação às fls.850/859.


A União, intimada para dizer se tem interesse no feito, oficiou à fl. 879, consignando tão somente "que ofertará manifestação, requerendo, se for o caso, as medidas cabíveis, tão logo recebidos nesta Procuradoria os pareceres técnicos pertinentes."


Vieram-me conclusos os autos.
É o relatório.


D E C I D O.
Inicialmente registra-se que a autora tem legitimidade ativa para figurar no pólo ativo e propor a Ação Civil Pública (art. 5º, inciso V, alíneas "a" e "b").


O estatuto da associação foi registrado em 13.11.2002, no 1º Ofício de Registro de Pessoas Jurídicas (fl. 37), i.é, a entidade já estava constituída há mais de ano, quando da propositura da ação civil pública. Ademais, a defesa do patrimônio público, que se busca nos autos, tem pertinência temática com as finalidades da associação, elencadas no art. 4º do seu estatuto (fl. 24).


Sobre a oportunidade dada à União para dizer se tinha interesse no feito - considerando que a relação processual inicialmente instaurada vinculou aos seus respectivos limites subjetivos tão somente a autora e o Distrito Federal - eventual elastecimento desses limites subjetivos somente poderia se dar mediante Assistência ou Intervenção de Terceiros (CPC, arts. 50 e 56 e segs.). Porém, tanto a assistência quanto a intervenção de terceiros, para que sejam deferidas, cumprirá ao requerente vencer os requisitos formais pertinentes (CPC, arts. 51, 57, 64, 71, 78). Mesmo assim, não se deu a intervenção formal da União no feito, que assim, vinculada ao processo, fizesse divisar algum interesse jurídico a justificar de declinatória de foro em face do disposto no art. 109 da Constituição Federal.


Consoante certidão de fl. 881, transcorreu o prazo para a manifestação da União, não sendo de se lhe deferir outro, ou prorrogar, sem motivo justificado, posto que a prestação jurisdicional não estará à mercê da eternização da lide (CF, art. 5º, LXXVII


I).
Por isso, se potestativamente a União pretender ingressar no feito, o fará "... no estado em que se encontra." (CPC, art. 50, Parágrafo Único, derradeira parte).

Prossegue, assim, o julgamento, mesmo sem o ingresso da União.


O pedido tem como causa petendi a expedição de alvarás precários pelo Poder Público, autorizando a instalação de estabelecimentos comerciais em edificações do Setor de Habitação Individual Germinada Sul - SHIGS - quadras 700, o qual é próprio de residência unifamiliar, de acordo com o decreto 10.829/87 e a Lei Orgânica do Distrito Federal. E, ainda, a ausência de efetiva fiscalização e interdição dos estabelecimentos comerciais e não-residenciais que funcionam irregularmente na área.


De acordo com o disposto na Lei 1.171/96, que regula a expedição de alvará de funcionamento para estabelecimentos comerciais, industriais e institucionais, observa-se:


Art. 6º, § 2° Poderá ser expedido Alvará de Funcionamento a título precário em áreas residenciais, condicionado à anuência da vizinhança, ao porte da atividade pretendida e ás restrições a ela, conforme definição em regulamento, que resguardará ainda a exigência de que a atividade econômica seja complementar ao uso definido para o local.


Desse dispositivo se extrai que a expedição de alvará de funcionamento a título precário em áreas residenciais, para o exercício da atividade comercial, industrial e institucionais, está condicionada, entre outros, à anuência da vizinhança.


Neste passo, é visível o inconformismo dos moradores das casas residenciais do SHIGS 700, conforme assinaturas exaradas no documento às fls. 40/86, em que solicitam às autoridades competentes medidas para o "encerramento definitivo de atividades comerciais (pousadas, salões de beleza, sindicatos, clínicas de massagem e outras) desenvolvidas ostensivamente em imóveis residenciais dessas quadras ao arrepio da Portaria 314/92 - IBPC e do Decreto Distrital 10.829/87 (da Preservação) que regulamenta o art. 38 da Lei nº 3.751/60, no que ser refere à preservação urbanística de Brasília." (fl. 40).


Aliás, justifica o Distrito Federal quanto à expedição de alvarás, afirmando que: "1) não são concedidos alvarás de funcionamento para estabelecimentos comerciais, institucionais e de outras naturezas que firam o zoneamento nas quadras 700 da Asa Sul - nem mesmo alvarás precários são deferidos, considerando-se a recente decisão proferida em ADIN nº 20006.00.005211-6, pelo Conselho Especial do TJDFT, que declarou inconstitucional o dispositivo legal que permitia tal instrumento administrativo par estabelecimentos que desenvolvessem atividades contrárias ao zoneamento" (fls. 472/73).


Em que pese referida afirmação, não tem ela o condão de esvaziar direito subjetivo de ação concedido à autora, para impedir eventual expedição de futuros alvarás de funcionamento de estabelecimentos comerciais no Setor de Habitação Individual Sul. Ao contrário, dá acolhida à pretensão do autor, no que torna indiscutível a indevida concessão de alvarás de funcionamento para estabelecimentos comerciais e outros, que contrariam o zoneamento nas quadras 700 da Asa Sul.


No que diz respeito à ausência de efetiva fiscalização por parte do Distrito Federal, vejamos o Decreto nº 10.829, de 14.10.1987:


Art. 6° - Nos setores de Habitação Individual Sul e Norte, só serão admitidas edificações para uso residencial uni-familiar, bem como comércio local e equipamentos de uso comunitário, nos termos em que se configura a escala residencial neste capítulo.


Segundo o dispositivo, a ilegalidade da instalação de comércio nas quadras 700 da Asa Sul revela-se evidente, pois no local só é possível as edificações para uso residencial uni-familiar. Ressalvado, porém, o comércio nas denominadas entrequadras, as quais se destinam edificações para atividades de uso comum e de âmbito adequado às áreas de vizinhança próximas.


Observa-se que a Asa Sul está inscrita, na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, como Patrimônio Histórico da Humanidade (Decreto 80.978 de 12.12.1977).


Desse modo, a questão deve ser vista sob o prisma da Lei Orgânica do Distrito Federal, no artigo 3º, inciso XI, e 247, § 2º, confira-se:


Art. 3º. São objetivos prioritários do Distrito Federal:


XI - zelar pelo conjunto urbanístico de Brasília, tombado sob a inscrição nº 532 do Livro do Tombo Histórico, respeitadas as definições e critérios constantes do Decreto nº 10.829, de 2 de outubro de 1987, e da Portaria nº 314, de 8 de outubro de 1992, do então Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural - IBPC, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. (Inciso acrescido pela Emenda à Lei Orgânica nº 12, de 1996.)


Art. 247. O Poder Público adotará medidas de preservação das manifestações e dos bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como das paisagens notáveis, naturais e construídas, e dos sítios arqueológicos, buscada a articulação orgânica com as vocações
da região do entorno.


§ 2º Esta Lei resguardará Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade, nos termos dos critérios vigentes quando do tombamento de seu conjunto urbanístico, conforme definição da UNESCO, em 1987. (Parágrafo com a redação da Emenda à Lei Orgânica n° 11, de 1996.)


Como se vê, em se tratando de objeto tombado, o conjunto urbanístico de Brasília passa a ser coisa protegida, nela se inserindo a Asa Sul. Logo, surge para o Poder Público a obrigação de exercer permanente vigilância sobre as coisas tombadas.


Nota-se, ainda, que o uso de imóveis nas quadras 700 da Asa Sul ofende a função social da propriedade (art. 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal), porquanto a instalação de atividades comerciais e de prestação de serviços, incompatível com o uso exclusivamente residencial dos imóveis, desrespeita a ordenação da cidade expressa no plano diretor (art. 39 da Lei 10.257/01.


O direito de propriedade, conquanto garantido no inciso XII da Constituição Federal, sofre, em razão da mesma ordem constitucional que assim autoriza por meio da legislação ordinária, significativas restrições. Afinal, nos termos do inciso XIII, deverá também atender à sua função social. Por isso, não poderá o proprietário fazer o uso da coisa como bem entender, senão dentro dos limites estabelecidos pela legislação comum.


Nessa linha de idéias, reputa-se ilegal a instalação de atividades de comércio e de prestação de serviços ou quaisquer outras atividades econômicas ou de lazer nas casas residenciais das quadras 700 da Asa Sul, reconhecida inclusive pelo Distrito Federal em sua peça de defesa.


O Distrito Federal, em sua defesa, afirma que "a fiscalização não é omissa..." (fl.473), e acrescenta que a efetiva fiscalização depende de planejamento público maior, onde será dada oportunidade de participação à sociedade civil.


De fato, diversos autos de interdição foram expedidos em 2007 (fls.186/202), no que configura a fiscalização exercida pelo Distrito Federal na área.


Deve-se, porém, salientar que a situação de irregularidade permanece como se depreende de inúmeras reportagens carreadas aos autos e do mandado de verificação do exercício de atividades ilegais instaladas nas Quadras 700 da Asa Sul, realizada por amostragem, no qual consta a existência de pousadas na quadra 703 Sul: Bloco A, casas 41, 47 e 61; Bloco B, casa 48; Bloco C, casas 47 e 55 e Bloco G, casa 03; na quadra 704 Sul: Bloco L, casa 42; na quadra 707 Sul: Bloco D, casa 28 e Bloco G, casa 73 (fl.859). Não é inoportuno consignar que esse mesmo estado de fato é notoriamente conhecido por todos que se põem presentes à dinâmica da cidade, conhecendo seus problemas.


Assim, ainda que dificuldades são reconhecíveis na efetiva fiscalização, por outra banda deve ser considerado também que essa mesma fiscalização tem se mostrado incipiente, ineficiente ou, sabe-se lá, insuficiente, mas de qualquer modo não tem produzido o efeito desejado de restabelecer a ordem pública.


A omissão que dá ensejo ao manejo da Ação Civil Pública em proveito da conservação da ordem urbanística não é apenas formal, como aquela que de tempos em tempos o agente fiscal comparece ao local e expede notificações ou interdições. Deve ser, sobretudo, de ordem substancial, como é aquela que, diante de reiteração dessas atividades ilícitas, promove a efetiva interdição administrativa de estabelecimentos, não se olvidando ainda da aplicação de outras sanções, especialmente de natureza pecuniária em forma de multas, inclusive na exasperação quando tais medidas não surtam os efeitos desejados segundo a vontade da lei.


No caso vertente, com o propósito de defender-se, o Distrito Federal até mesmo expediu tais notificações, mas não concluiu a atribuição subseqüente - e do seu dever - de promover medidas mais drásticas e efetivas para coibir os abusos delatados com a inicial.


Ora, havendo irregularidades, o Distrito Federal tem o poder-dever de impor medidas coercitivas com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei. Até mesmo deve buscar a exasperação fiscalizadora com rigor maior, até o ponto de inibir eficientemente a ilicitude, para que assim a suavidade ou ineficiência não dê lugar à conivência.


Aguardar-se o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, como condição para se resolver o conflito existente entre a realidade da cidade e a preservação do patrimônio protegido - nestes autos relacionada às quadras 700 da Asa Sul - ao que se vislumbra, toma em vista o Princípio da Eficiência, de modo que eventual permissão futura terminasse por esgotar a fiscalização imediata. Entretanto, esse não é um valor absoluto diante dos demais princípios constitucionais da Administração Pública. As coisas futuras são, por excelência, incertas.


Segundo o Princípio da Legalidade, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei" (art. 5º, inciso II, da C.F.).E esse é um valor jurídico do presente, que não pode ficar à mercê de coisas futuras e incertas. Em decorrência disso, a Administração Pública não pode tolerar ou outorgar aos moradores das quadras 700 da Asa Sul permissões que são vedadas pela lei, aguardando-se indefinidamente o tal Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, que eventualmente venha contemplar o interesse dos que hoje obram na ilicitude e exercem atividades de comércio, prestação de serviços e afins na área proibida a tanto.


Vale dizer que sob o fundamento da eficiência não se sucumbe o Princípio da Legalidade, devendo aquele ser modificado quando sua inadequação às necessidades presentes constitua obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais.


Assim, é necessária a aplicação de sanções administrativas aos moradores das quadras 700 da Asa Sul que estejam agindo fora da lei, e até mesmo, se for o caso, utilizar da técnica de condicionamento, exigindo dos particulares atuações positivas.


Com relação a isto, vale registrar que a aplicação de sanções administrativas aos moradores das quadras 700 da Asa Sul é ato discricionário. O legislador aqui deixou espaço para livre decisão da Administração Pública. Daí porque não pode o Poder Judiciário invadir espaço reservado, pela lei, ao administrador. Caso contrário, estaria substituindo a opção legítima feita pela autoridade com base em razões de oportunidade e conveniência.


Com efeito, tratando-se a causa petendi da ausência de fiscalização efetiva ou eficiente do Distrito Federal, que até mesmo poderia ter promovido a interdição desses estabelecimentos ou aplicado multas, inclusive com exasperação inibitória gradual e suficiente, conclui-se que o Réu deixou de realizar efetiva fiscalização, para incorrer na omissão que serve à causa de pedir.


Ao autor assiste o direito a uma atividade de fiscalização eficaz por parte do Distrito Federal, até porque as escusas que pudessem aproveitar à sua defesa não sobrevivem na realidade dos fatos, ante o frontal desrespeito à ordem urbanística tecida para garantir o sossego residencial às demais pessoas do lugar, que ali escolheram viver em razão da destinação dada à quadra.


Diante do exposto, acolho o pedido do autor e JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida com a inicial para condenar o Distrito Federal a:


1) prestação de obrigação de não fazer, consistente em não emitir alvarás de autorização para o funcionamento de atividades incompatíveis com a destinação residencial unifamiliar, nas quadras 700 da Asa Sul do Plano Piloto; e,


2) prestação de obrigação de fazer, consistente em realizar fiscalização e, se necessária, a interdição dos estabelecimentos comerciais ou não-residenciais que estejam funcionando irregularmente nas edificações das quadras 700 da Asa Sul, com a aplicação de sanções correspondentes e exasperação na hipótese de persistência.


Para a hipótese de violação à proibição contida no nº 1 retro, o Distrito Federal incorrerá em pena de multa, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por alvará expedido em desacordo com o preceito.


Para o cumprimento da obrigação contida no nº 2 o Ré deverá apresentar ao juízo Plano e Cronograma de Fiscalização eficiente no prazo de 60 dias contados do trânsito em julgado da sentença, bem como comprovar a execução desse mesmo plano segundo o respectivo cronograma, sob pena de incorrer em multa pecuniária no valor a R$ 2.000,00 (dois mil reais) por dia de qualquer atraso, i. é, na apresentação do Plano e Cronograma, como também na sua execução.


Sem custas ou honorários, em razão da natureza jurídica das partes.


Com fundamento no art. 269, I, do CPC, declaro resolvido o processo, com apreciação do mérito.

P. R. I.
Brasília - DF, quarta-feira, 24/03/2010 às 18h51.


Carlos D. V. Rodrigues
Juiz de Direito