Publicado na revista Brasília em Dia - 06.06.2009 - www.brasiliaemdia.com.br
Autorizada a publicação - www.paulocastelobranco.adv.br
COTIDIANO
Escrever sobre o cotidiano é bom e é ruim. Em determinados dias, a vontade que dá é deixar de lado as idéias e ficar só acompanhando o desenrolar dos acontecimentos. E eles não param. Aí, quase na hora de entregar o texto, vem a notícia que alegra ou deixa triste. Se o assunto é divertido, alguns leitores acharão ótimo. Se, no entanto, uma notícia ruim é deixada de lado, outros leitores acharão que o cronista é insensível em assuntos que afetam sua alma.
A semana que passou levou dois personagens da cidade: D'Alembert Jacourt e o Oséas Cardoso. Deixaram suas marcas e saudades em Brasília. Por outro lado, entremeadas à tristeza, boas notícias correram anunciando o nascimento do Bar Brahma na 201 Sul. Casa cheia de pioneiros, e gente nova. É verdade que o estacionamento clandestino insiste em permanecer tingindo de poeira vermelha os cabelos dos frequentadores. As vagas ficaram mais organizadas, pois uma placa rudimentar colocada pelo invasor que controla o espaço indica onde é a entrada. A administração da área tombada se comprometeu a coibir o abuso. Quando isso acontecer, se acontecer, aí sim, o chope voltará a ser com colarinho espumoso e branco, e o Jorge poderá ficar mais feliz do que já é.
No domingo, depois da volta gloriosa do imperador Adriano ao Flamengo, o “Elas cantam Roberto Carlos” trouxe aos corações as músicas que marcaram a vida de milhões de apaixonados. As vozes e a luxuosa apresentação de jovens e veteranas cantoras emocionaram o país. Tempos bons que não voltam mais. Valem pela recordação.
O domingo acabou e, na manhã estranhamente chuvosa, veio o anúncio do acidente com um avião que saiu da Cidade Maravilhosa para a Cidade Luz. A tragédia nos levou o maestro Silvio Barbato e a cantora Juliana de Aquino. As gotas de chuva deveriam ser acúmulo de lágrimas, tantas vezes derramadas por ouvintes emocionados com o canto lírico de Juliana e com a batuta que Silvio conduzia com maestria, bom humor e alegria.
E aí, vem coisa boa de novo: Brasília foi escolhida como uma das sedes da Copa do Mundo de 2014. Vai ser muito bom, depois da nossa terrível derrota de 1950, rever o torcedor vibrar com as partidas das melhores seleções de futebol. Será que um novo Pelé aparecerá nos gramados com a camisa canarinho? Será que é um menino que vi, outro dia, jogando pelada no gramado da 308? Tinha a desenvoltura do Zico, o “galinho de Quintino”. Ou será o garoto miúdo e ágil que assisti controlando a bola num campo improvisado e barrento da Estrutural? Ele parecia um príncipe com a cabeça erguida, superando a marcação dura de seus adversários. Parei para ver e, em poucos minutos, o garoto fez dois gols. Se houver incentivo, essa turma vai levar o caneco mais uma vez. Falando em galinho, as autoridades bem que poderiam garantir umas apresentações do “Galinho de Brasília” nos intervalos dos jogos. É só prá não deixar cair no esquecimento uma das mais agradáveis invenções dos brasilienses.
Esses encantos e desencantos, a toda hora, entram em meu pensamento e quase desisto de continuar na minha meta de descrever o cotidiano. Paro, dou uma olhada em outras notícias e a tela do computador insiste em me mostrar a relação que não quero ver. Não quero encontrar mais nenhum nome que, por desventura, possa ser de um amigo que não via há muitos anos.
A visão de Paris volta com a intensidade do sol de fim de tarde, iluminando no lusco-fusco os jardins da cor de outono. Ah! Quanta saudade e lembranças invadem a mente. Voltam as calçadas repletas de pessoas rindo e conversando em vários idiomas. De repente, uma palavra que soa como se fosse um chamado ou uma pergunta. Voltamo-nos para ver de onde vem o som e percebemos que são húngaros ou russos, sabe-se lá o que falam entre si. Só pensei que se dirigiam a nós. O que será que eles falam com tanta rapidez que não dá para entender nada? O que interessa é que, nas ruas de Paris, o mundo se encontra. Lá, somos todos anônimos, como o são os outros nomes da dolorosa lista, mas que também amavam, riam, trabalhavam e se divertiam. Como seria bom se tudo fosse só um pesadelo e que o avião estivesse flutuando, por horas, até que o socorro chegasse; como aconteceu há pouco tempo em Nova York.
A realidade é muito mais dura do que imaginamos, e a vida continua. É por isso que o presidente Obama leva sua mulher para jantar e assistir a uma peça de teatro em meio à crise atômica com a Coréia do Norte. Não serão as tragédias que nos farão desistir de continuar a conviver, mesmo com a força da tristeza. É sempre tempo de tempestade e de bonança. Isto é o cotidiano. É bom e é ruim.
Paulo Castelo Branco