Padronização: é para valer ?...Ou mais ou menos?


    Deparamo-nos com a já tardia regulamentação da Lei Complementar nº 766/08: a dos puxadinhos. Ambas repletas de imprecisões. A imprensa afirma que comerciantes participaram da discussão dessa regulamentação. A comunidade foi esquecida. Esta, a mais diretamente afetada com o avanço sobre a área pública de 6m, que irá interferir nas já tão castigadas áreas verdes. 

    A Lei e o Decreto nos vieram embrulhados para presente. O Governador afirmou em certo momento, que o acréscimo aprovado pela Lei não poderia ultrapassar a área da faixa verde, “non-aedificand”, de 20m, que circunda as superquadras. Que essa questão seria objeto da regulamentação, o que não ocorreu. 

    No entanto, essa regulamentação cria situações inexistentes na Lei, o que é uma séria irregularidade: a tão propalada padronização única por bloco (art. 3º da Lei), a principal justificativa para sua elaboração, foi para o espaço. Surge agora a idéia de um muro vazado – o velho cobogó, opção a ser adotada no caso de um ou mais comerciantes do mesmo bloco não mostrar interesse na ampliação. Que padronização é essa com construções e muros, com cheios e vazios? 

    E o Decreto não determina parâmetros técnicos como altura do muro e percentual de visibilidade. Qual a garantia que tal depósito, a céu aberto, não se torne um foco de insetos, de lixo e de lugar para esconder tranqueira velha? E se apenas um proprietário de lote resolver ampliar, teremos um bloco comercial murado de ponta a ponta, menos um? É isso que qualificam como padronização? Qual seria o objetivo do muro vazado? Seria permitir que os fiscais espreitem pelos espaços abertos para ver se tudo corre na normalidade, nessa cidade de 2+2=5? 

    Além disso, sobre essa área pública cercada, indisponível ao público, nada será cobrado se usada como depósito. Não onerosa também será a ocupação nas áreas públicas entre blocos. Talvez na avaliação dos responsáveis pela elaboração do Decreto, pagar pela ocupação inadequada desse espaço público, característica da proposta original da cidade, seja um despropósito. 

    Para eles, o uso de mesas, cadeiras e de elementos físicos demarcatórios dos 2m, para a passagem de pedestres nesses espaços, não se configura como ocupação de área pública. Bizarra decisão! Pior ainda é o regulamento permitir a elaboração de um projeto paisagístico particular, nas extremidades dos blocos, e até prever a possibilidade de retirada de árvores da faixa verde das superquadras, para acomodar a ganância por maior espaço, mais mesas e cadeiras, gente, carro, barulho, incômodo. 

    Ganância que concorre “pari passu” com a especulação imobiliária no DF. Não satisfeitos com o uso do espaço público sob a marquise das lojas de ponta, os comerciantes tiveram a complacência, do GDF e da CL/DF, para invadir nessas extremidades mais 5m além de seu limite e 3m do que está voltado para a superquadra. Para que se possa garantir a calçada para o pedestre nos fundos do comércio ampliado, previsto na Lei, será necessária a perda de mais uns tantos metros de área verde. 

    Os 6m de avanço nos lotes inviabilizam o passeio público original. Governo e deputados cedem área pública, que não lhes pertence, de forma graciosa, como se a população não estivesse perdendo, ou como se a própria cidade não estivesse perdendo área livre. Desrespeitam as normas do tombamento com a mudança da volumetria nos blocos comerciais, com o aumento, de fato, do tamanho de cada lote comercial. 

    Com certeza, aumentarão os transtornos para os moradores com o incremento do comércio local. A qualidade de vida cai e Brasília perde. É fato o desinteresse de órgãos do GDF em sentar-se à mesa com a comunidade para discutir assunto de tamanha relevância, a despeito das promessas feitas pelo governador em seus encontros com os moradores, quando em campanha. Prometeu-nos uma gestão compartilhada, interativa, articulada, o que geraria, sem dúvida, maior eficiência do governo nas importantes decisões para a cidade. 

    As palavras do ministro Roberto Campos, “nenhuma sociedade pode florescer ou mesmo funcionar, se seu povo não se sentir responsável por ela”, fazem-me, no entanto, ter esperança de que a sociedade preserve-se em eterna vigilância e mostre interesse nos rumos da cidade, como partícipes de suas associações comunitárias. 

    Que tome ou retome a consciência do valor de nossa cidade, repense a responsabilidade que tem sobre ela e cobre dos governantes a devida seriedade nos seus atos e promessas. E que tenham, estes, acima de tudo, respeito por Brasília e por seus habitantes.


    Heliete R. Bastos -Presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul