PDOT e a ADMINISTRAÇÃO DE BRASÍLIA


Exma. Sra.
Diana Meirelles da Motta
DD. Secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação
Brasília – DF




Senhora Secretária,



A Administração de Brasília comunicou a algumas lideranças comunitárias do Plano Piloto, com apenas algumas poucas horas de antecedência, que haveria uma reunião sobre o Plano Diretor de Ordenamento Territorial - PDOT, a ser realizada naquele mesmo dia, 25 de abril, às 19 h. Durante a reunião, em razão das reclamações feitas pelos presentes, sobre a intempestividade do convite, foi exibida pelo Senhor Administrador, cópia de uma correspondência para a reunião, datada de 20 de abril, que nenhum dos presentes havia recebido. Embora afirmando, por diversas vezes naquela ocasião, que a correspondência havia sido postada no dia 20/04/05, fomos surpreendidos com o seu recebimento no dia 26/04/05, com data de postagem de 25/04/05, fato esse que contraria peremptoriamente a informação dada.
Primeiramente, cabe registrar que a participação à comunidade se fez de forma inadequada, não possibilitando as pessoas se prepararem, e mesmo se programarem para a reunião, como também não foram convidados os Presidentes dos Conselhos Comunitários da Asa Sul e Asa Norte, entidades formalmente representativas dos Prefeitos de Quadra, conforme conhecimento de V.Exa. e do Senhor Administrador Regional de Brasília.

Na referida reunião, onde V.Exa. esteve presente, fomos informados que o Governo pretendia promover a Revisão do PDOT, porém sem nada adiantar sobre as premissas ou objetivos gerais e específicos pretendidos com essa revisão, assim como também não foi apresentada a metodologia para condução das etapas do Plano Diretor e dos produtos esperados. Apenas afirmou-se que o processo se iniciava naquela data, e logo em seguida, declarava-se que o diagnóstico encontrava-se pronto. Sendo o diagnóstico parte do processo de elaboração do plano, pode-se inferir que a divulgação à comunidade poderia ter sido iniciada antes, como deve ser. Cumpre-se ressaltar que nem mesmo foi feita uma exposição sobre o tema Plano Diretor, descrevendo a situação que levou à proposição da revisão desse instrumento. De outra parte, foram elaboradas e recolhidas duas listas independentes de presença, com assinaturas dos participantes.

Aqui, outra inadequação, visto que nada foi exposto sobre o trabalho para começar ou suscitar debates, como determina o Estatuto da Cidade. Exatamente quanto a essa questão é que solicitamos a atenção de V.Exa. no sentido de estudar uma alteração no processo de revisão do PDOT. Cabe mencionar que o Estatuto da Cidade é claro em relação à participação popular. O inciso VI do art. 52 do Estatuto da Cidade prestigia os princípios constitucionais da democracia participativa e da publicidade dos atos Administrativos, pois, segundo o art. 40, § 4º, I a III, no processo de elaboração do Plano Diretor e na fiscalização de sua implementação , o Legislativo e o Executivo devem assegurar a “participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, assim como a publicidade e o acesso a documentos e informações produzidos durante o processo” (grifo nosso).

Nesse sentido, informamos que nem as principais lideranças foram convidadas, nem se promoveu uma adequada divulgação que estimulasse a presença da população. Entendemos que o controle democrático deve abranger todas as etapas do plano diretor (elaboração, execução e revisão) e ser o mais amplo possível, envolvendo não só os colegiados criados pelo Poder Público (entidades comunitárias de bairros, conselhos distritais ou de desenvolvimento urbano), mas também entidades autônomas e os indivíduos que isoladamente compõem a população, como expressão do mais alto grau de princípio democrático, não devendo haver “qualquer preponderância da representação das associações sobre a participação direta do cidadão interessado no processo de planejamento”, por força do parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, que abriga o princípio explícito da democracia participativa.

Entendemos, ainda, que a participação efetiva da comunidade no Plano Diretor não se limita a referendar e dar sugestões. Significa que os técnicos devem ter condições de debater propostas, deliberar sobre elas e, sobretudo, mudar o curso de ação estabelecido pelos dirigentes e formular cursos de ação alternativos. Quando a Lei n. 10.257/01 diz que o Executivo e o Legislativo Municipais devem garantir a transparência, franqueando o acesso a documentos e informações (art. 40, § 4º, I a III), deve-se entender que para a concreção do princípio da publicidade e do direito à informação, a linguagem técnica contida na proposta do Plano Diretor deve ser acessível ao leigo, para que possa alcançar o seu significado e debater o conteúdo de suas idéias.

Acresce que a participação deve ser não apenas durante o processo de elaboração e votação do Plano Diretor, mas, sobretudo, na implementação e gestão das decisões do Plano. “Assim, mais do que um documento técnico, normalmente, hermético ou genérico, distante dos conflitos reais que caracterizam a cidade, o Plano passa a significar um espaço de debates dos cidadãos e de definições de opções, conscientes e negociadas, por uma estratégia de intervenção do território. Não se trata aqui da tradicional fase de ‘consulta’ que os planos diretores costumam fazer – a seus interlocutores preferenciais , ‘clientes’ dos planos e leis de zoneamento, que dominam sua linguagem e simbolização,mas de um processo de construção coletiva da ‘ cidade que queremos’ ”(grifo nosso)[1].

Há enorme diferença entre participar à comunidade, como o que foi feito, solicitando que envie sugestões, indicando um site para efeito de consulta de dados - como se todos tivessem acesso a esse meio de comunicação – e a participação direta e real da comunidade, em busca de sinergia, capaz de produzir propostas significativas, para construção da cidade, dentro de uma visão integrada dos aspectos sociais, culturais, econômicos, políticos e ambientais . Afinal, a cidade é de todos e deve ser vista de forma integral dentro de uma perspectiva de longo prazo.

Nesse caso, cabe acrescentar que o Plano Diretor é apenas parte integrante do processo de planejamento, cujas diretrizes e prioridades devem ser incorporadas no plano plurianual, nas diretrizes orçamentárias e no orçamento anual. Além disso, o Plano Diretor é um dos instrumentos de ordenamento territorial, tendo que se adequar aos demais, quais sejam: zoneamentos ambientais e planos de manejos das unidades de conservação de uso direto e indireto e o plano para gerenciamento dos recursos hídricos.

No sentido de ser atendida a expectativa da comunidade e, ao mesmo tempo, atender aos dispositivos legais, vimos solicitar a alteração da programação a ser realizada antes das audiências públicas, com a finalidade de discutir premissas, princípios e objetivos específicos que devam nortear o Plano Diretor.

Colaborando com o Governo, vamos apresentar recomendações e diretrizes desde já, mas entendemos que os debates solicitados representam uma fase de estudo e reflexão, para que se possa discernir, com mais acuidade, as reivindicações mais significativas que devam ser consideradas, conforme, com certeza, é o desejo de V.Exa., sendo esse também o espírito da Lei 10.257/01 e da Lei Orgânica do Distrito Federal, no que tange o Plano Diretor .

Entendemos, ainda, para enriquecer os trabalhos e promover o debate e, portanto, para a efetiva participação da comunidade, que seria altamente positivo, senão indispensável, uma apresentação, pela equipe técnica da Secretaria, da avaliação do PDOT, do qual se pretende fazer a revisão, com reflexão crítica capaz de identificar, sobretudo, as razões de tantas distorções ocorridas, como o caso de invasões de áreas públicas na nossa cidade e do desvirtuamento da área rurais em lotes urbanos, que ocorrem há anos.

Finalmente, esclarecemos, ainda, que de acordo com a decisão dos Prefeitos, estamos encaminhando essa correspondência, com cópia da presente solicitação, ao Secretário Chefe da Agência de Infra-Estrutura
e Desenvolvimento Urbano, Dep. Tadeu Filippelli, ao Ministério das Cidades, ao Ministério da Cultura, ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.


Respeitosamente,
Heliete de Almeida Ribeiro Bastos -.Presidente do CCAS, - Sergio Artur Paganini da Silva - Presidente do CCAN

[1]Estatuto da Cidade: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações 2001. p. 42-43.