PLANO DO DESPAUPÉRIO

Brasília está vivendo uma situação de teatro do absurdo. Sob a sigla PPCub (Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília) se esconde a maior ameaça à integridade do traçado urbanístico que a capital modernista já sofreu ao longo de 54 anos de existência. Não é frescura de arquiteto; é algo que vai afetar a nossa qualidade de vida. Em vez de atacar os graves problemas que assolam Brasília, o projeto contempla propostas esdrúxulas que se situam na contramão da sensatez.

O trânsito de Brasília está devagar quase parando, não se encontram vagas nos estacionamentos, os carros invadem as calçadas, o fluxo de veículos emperra durante os horários de pico. Em face da situação, o que o plano propõe? Liberação para construir estacionamento subterrâneo na Esplanada dos Ministérios.

Obviamente, essa é a pior de todas as alternativas, pois estimulará o uso do carro e promoverá um caos ainda maior. Brasília padece de uma aberração: tomar ônibus ou metrô nessa cidade é algo reservado aos cidadãos de terceira classe. Todos sabem (inclusive o governo) que a solução é melhorar o transporte público. Outra proposta descabida é a da liberação da quadra residencial 500 no Sudoeste, pois o bairro já está sufocado pelo excesso de carros e com emperramentos na circulação, especialmente nos horários de rush.

E como, mesmo com esse evidente despropósito, o plano se mantém de pé, se mais correto seria autodenominar-se Plano de Predação do Conjunto Urbanístico de Brasília? Graças a uma série de manobras do governo local, que não passaram despercebidas pelo Ministério Público. Desde o ano passado, o MP questiona os critérios de indicação dos integrantes do Conselho de Planejamento Urbano e Territorial (Conplan) e, mais uma vez, embargou todas as decisões tomadas por esse colegiado: “A Justiça reconheceu que a composição deve ser de pessoas conhecedoras do assunto, de entidades e cidadãos ativos na questão urbana”, comentou no caderno Cidades, Vera Ramos , diretora de Patrimônio Cultural do Instituto Histórico e Geográfico do DF.

A política e os métodos dos mentores do PPCub não são nada originais, parecem ilustrar de maneira cabal as concepções mais recentes dos teóricos do urbanismo na era da globalização. Eles têm formulado os conceitos de cidade-empresa, cidade-negócio, cidade-oportunidade, concebidas para atropelar as leis de ordenação urbana a qualquer preço. As cidades seriam as multinacionais do século 21. Para vender os seus projetos, os governantes-gestores usam o nome pomposo de “planejamento estratégico”, tentando passar a ideia de que trabalham com seriedade, visão de longo prazo e racionalidade no processo de decisão. Mas em benefício de quem? De meia dúzia de espertos.

No cotidiano, o que vivemos são as cidades cada vez mais caóticas, desorganizadas, inseguras e violentas. Esse é o resultado de governos engessados pelos compromissos com a especulação imobiliária. Em vez disso, gostaria muito de ver os nossos governantes devotarem o mesmo empenho e açodamento na solução de problemas de interesse 

efetivamente público: a violência avassaladora, o transporte urbano calamitoso, o atendimento humilhante nos hospitais e o ensino de péssima qualidade.
Por: Severino Francisco - Correio Braziliense - Crônica da Cidade - 31/03/2014 -